segunda-feira, 16 de julho de 2012

Velhos amigos

Eu e meu livro de infância, um Ou Isto ou Aquilo, sempre nos lembramos, mas nunca nos procuramos.

Não me lembro da primeira vez que o vi, li ou folheei. Sei que ele estava sempre lá, pronto, esperando para que meus pequenos dedos abrissem suas páginas. E, vez ou outra, quando não sabia ao certo o que fazer, quando tinha um tempinho de sobra ou quando, sei lá por que, uma de suas frases me vinham à cabeça, lá ia eu atrás dele. Mesmo que eu lesse outros livros e até me interessasse por eles, o meu grande livro de infância, daqueles companheiros, que até hoje me lembro de trechos de cor, foi o Ou Isto Ou Aquilo, de Cecília Meireles.

Mas devo dizer que não foi qualquer “Ou Isso ou Aquilo”. Era um específico, com as ilustrações de Eleonora Affonso. Ele era todo de aquarelas, bem grosso e comprido. Assim, cada poesia tinha uma página só dela.

Ali, vivi parte da minha infância, na companhia de duas velhinhas que tomavam chá, da outra que só falava na língua do nhem, de um menino que queria um burrinho para passear, de três meninos que ouviram uma pombinha na mata gemer. E também de palavras. Palavras novas que eu não conhecia, palavras que se misturavam e ganhavam um novo significado, palavras que, juntas, enrolavam a língua e eu demorava dias para desenrolar. Ali, aprendi novas sensações e emoções, e vivi muitas histórias, que carrego comigo até hoje.

"O vestido de Laura é três babados, todos bordados." Assim iniciava o poema que contava sobre o lindo vestido de Laura. Mas terminava dizendo - "Borboletas voam flores perdem suas cores. Se não formos depressa acabou-se o vestido, todo bordado e florido". Até hoje, quando estou diante de algo belo, como um arco íris ou um pôr-do-sol, ou de um momento único, me lembro dessa frase. E rapidamente me esforço para esquecê-la e viver o momento, antes que ele vá embora. O poema me ensinou o significado de fugaz.

Um dia, não sei bem quando nem por que, minhas visitas às suas páginas foram ficando escassas. E assim, sem data específica ou coisa relevante, parei. Nunca mais o abri. O livro acabou sumindo, provavelmente doado.

Ele nunca me saiu da cabeça, mas sempre me recusei a abrir outras edições. Como um velho amigo que nos lembramos sempre, mas nunca procuramos, meu livro de infância ficou restrito  a algumas frases soltas que vez por outra me vêm à cabeça, a imagens embaçadas, e a um universo de emoções que ajudaram a compor a pessoa que sou.

Fonte: Revista Carta Fundamental n. 39, junho/julho 2012, p. 61, Texto de Carolina Moreyra

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