terça-feira, 10 de julho de 2012

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Livros adaptados para Libras estimulam a inclusão de leitores surdos e começam a ganhar espaço em editora especializadas

No lugar do sapatinho de cristal, uma luva cor-de-rosa. Na versão adaptada do clássico eternizado por Charles Perrault, Cinderela é uma menina surda que só se comunica pela língua de sinais. É assim que conquista o cobiçado príncipe, não sem antes deixar para trás uma pista para que ele a encontre. Com enredo pensado para aproximar o conto da vida da criança portadora de deficiência auditiva, Cinderela Surda tornou-se o maior sucesso da Editora da Ulbra e soma cerca de 2 mil exemplares. O livro é escrito em língua portuguesa e em sign writing, uma tentativa de escrita em língua de sinais.
Outra iniciativa no mesmo sentido é Uma aventura do Saci-Pererê, lançado no ano passado pela Arara Azul. Neste caso, a edição é composta de um livreto em português e um CD-ROM com um livro digital, no qual gestos e expressões faciais traduzem, parágrafo a parágrafo, a história do Saci para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Títulos assim são artigos raros. Das cerca de 750 editoras brasileiras, poucas se aventuram na publicação sistemática de livros de literatura em Libras. “Ainda é uma área bastante restrita”, constata Elidéa Bernardino, professora e coordenadora do Núcleo de Libras da Faculdade de Letras da UFMG. 
A variedade da produção também é limitada: grande parte é de adaptações de clássicos.
A lacuna é um dos reflexos do reconhecimento tardio das Libras como a língua oficial utilizada pela comunidade surda brasileira, que só aconteceu com a regulamentação do Decreto Federal nº 5.626, datado de dezembro de 2005, que garantiu o direito dos alunos surdos de receber educação bilíngue nas classes regulares – Libras como primeira língua e Língua Portuguesa em sua modalidade escrita como segunda. “A partir daí, começou o investimento por parte do governo na produção desses materiais, porque a lei prevê o direito dos surdos de ter materiais em língua de sinais”, explica Clélia Ramos, gerente editorial e de projetos da Editora Arara Azul. 


Valorizar a identidade do leitor

Diretor da Editora da Ulbra, Astomiro Romais afirma que há demanda crescente por esse tipo de publicação. Cinderela Surda, expoente do selo, foi escrito a seis mãos por carolina Hessel, Lodenir Karnipp e Fabiano Rosa, em português e em sign writing.
Para Bernardino, as alterações feitas no enredo são importantes para valorizar a surdez como parte da identidade do leitor e não mais como uma deficiência. “A Cinderela comum perde o sapatinho, essa, a luva. A diferença é essencial, pois ressalta a importância da mão. Para a criança surda, a literatura é ainda mais do que para as demais por conta da aquisição da linguagem. Normalmente, essas crianças só têm acesso a uma linguagem depois que entram para a escola.”
Além de adaptações de contos de fadas e outras histórias conhecidas, A Ulbra possui em catálogo um texto original. Escrito por Liège Kuchenbecker e traduzido por Erika Silva e Ana Paula Lara, O Feijãozinho Surdo tem versões em português e sign writing e é acompanhado por um DVD em que a história é contada em Libras.
Apesar do reconhecimento que o setor vem conquistando, para a professora surda Shirley Vilhalda, ainda há muito a fazer. “A família precisa conscientizar-se da importância da literatura em Libras em adquirir os recursos tecnológicos necessários, principalmente o computador, pelo qual o aluno surdo vai ter acesso aos vídeos.”

Fonte: Revista Carta Fundamental n. 36 março de 2012, Texto de Tory Oliveira (Adaptado)

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