domingo, 25 de maio de 2014

O Quixote da poesia

Com uma editora de livros artesanais e um clube literário, o editor Vanderley Mendonça fez da literatura a sua missão

Em um salão no centro de São Paulo, Vanderley Mendonça demonstra o funcionamento de uma prensa manual Heidelberg, de 1886, quase toda de peças originais alemãs, reunidas ao longo de anos de aplicação. Na sala ao lado, outras máquinas raras convivem com impressoras modernas, todas usadas pelo editor para fazer seus livros laboriosamente artesanais.

Cearense de origem, criado em Brasília, Vanderley já foi chamado de Dom Quixote da poesia. O catálogo do seu selo, o Demônio Negro, justifica a fama: publicou obras de autores como Joan Brossa e Rubén Darío, brasileiros como o quase esquecido Sousândrade, e poetas contemporâneos, como Horácio Costa. São belas edições em capas de tecido, em grande parte compostas por antigos processos de impressão.

O amor pela literatura o levou a estudar design de livro, tipografia e colorimetria em Portugal, na Espanha, nos EUA e na Alemanha. Em 2006 essa peregrinação resultou na impressão do primeiro livro, Doze, coletânea de autores amigos. Logo depois surgiria o nome do selo: "Me veio à mente o nome Demônio Negro, derivado de Dimoni Negre, dos idiomas catalão ou valenciano, línguas das quais sou tradutor." 

Em janeiro deste ano, Vanderley decidiu colocar em prática outro de seus projetos, o de um clube literário. Deixou emprego em uma multinacional holandesa, na qual trabalhou por 15 anos, e abriu a Hussardos, um empreendimento tão inédito quanto ousado: mistura de livraria temática, espaço para encontros, saraus, cursos e lançamentos, ainda abriga oficina para livros, café e rádio de internet para convidar músicas. O nome do clube vem de outra séria paixão, a esgrima, de que Vanderley é campeão brasileiro e sul-americano. Os hussardos eram a cavalaria ligeira e "exímios esgrimistas, conhecidos no período das conquistas de Napoleão", explica. No local, vê-se três floretes de treino, cruzados como no célebre gesto dos mosqueteiros de Alexandre Dumas: tudo lá remete à literatura.

Fonte: Revista Vida Simples edição 144/maio 2014, p. 11. Texto de Dirceu Villa, Ilustração de Indio San.

domingo, 18 de maio de 2014

Livros querem ser livres

Conheça quatro projetos que defendem que o acesso a livros pode – e deve – existir muito além das paredes de bibliotecas e escolas.


E quem disse que lugar de livro é na prateleira? Os livros podem estar por aí, espalhados entre calçadas, cafés, teatros, estações de metrô e até em Centros de Saúde. Melhor que procurar por eles, no entanto, é "abandonar", "esquecer" ou "libertar" aquele livro já lido, talvez até empoeirado na estante, para que mais pessoas o leiam - e passem a história para frente depois de terminar.

Conheça 4 projetos que levam a ideia a sério - podendo até mesmo promover outras formas de arte para além da literatura. 

1. Bookcrossing
A ideia surgiu em 2001 nos Estados Unidos e consiste em trocas informais de livros em lugares públicos: depois de lidos, os volumes são deixados em locais tão diferentes quanto cafés e aeroportos. Outra pessoa lê o livro e, de novo, o deixa em um lugar diferente para que o ciclo se repita. Este ‘deixar’ de livros - ou "libertações", nas palavras de Helena Castello Branco, coordenadora do movimento no Brasil - são feitos em postos de BookCrossing espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

Heather Pedersen, uma das fundadoras do projeto, calcula que, em treze anos de existência, o BookCrossing soma cerca de dez milhões de livros circulando pelas mãos de mais de um milhão de bookcrossers em 132 países. "O mais interessante é poder saber o paradeiro dos livros conforme eles viajam", sublinha Pedersen. Isto é possível através do código que cada livro recebe quando é cadastrado no website do projeto: através dele, dá para ver por quais cidades e países o livro viajou e quantas pessoas o leram. 

2. Atentado Poético
Nascido como um meio de se "abandonar" livros por Belo Horizonte, o projeto existe há onze anos e hoje envolve outras formas de arte além da literatura. A iniciativa partiu dos alunos da Fundação Torino, na capital mineira. Daniela Mendes, professora de Língua Portuguesa e coordenadora do projeto, conta que inicialmente a ideia era deixar livros em praças e outros espaços públicos de BH para que os passantes se apropriassem deles e os lessem. "Os livros eram deixados com uma dedicatória falando sobre o projeto e encorajando a quem os encontrasse a também os abandonar pela cidade depois de lê-los", conta Daniela. Ela calcula que mais de 3500 livros de literatura infanto-juvenil tenham sido ‘abandonados’ pela cidade nestes onze anos.

Hoje o ‘Atentado’ transformou-se em um evento que une a comunidade belo-horizontina a alunos e professores da Fundação uma vez por ano. Neste encontro acontecem oficinas que privilegiam várias formas de arte para além da literatura. 

3. Esqueça um Livro
Inspirado pelo BookCrossing, o Esqueça um Livro é uma forma de promover o ‘desapego literário’, como conta Felipe Brandão, criador do projeto. "Comecei a deixar os livros em alguns lugares por onde passava e criei uma página no Facebook para registrar esses ‘esquecimentos’ para estimular os amigos a fazerem o mesmo. Muita gente gostou da ideia e começou a ‘esquecer’ suas leituras também", completa. A página do Esqueça já tem mais de 19 mil curtidas no Facebook e, segundo calcula Brandão, com a ajuda de amigos e fãs do projeto, mais de mil livros já foram esquecidos.

Para sinalizar que estão em circulação, os livros podem receber uma dedicatória ou um marcador de página explicando que foram ‘esquecidos’ para que quem o encontre o leia - e volte a ‘esquecê-lo’ para levar o ciclo adiante. E isso independe da cidade onde a pessoa está: basta tirar o livro lido da estante e passar para frente. "O legal é que cada pessoa ‘esqueça’ seus livros na cidade onde está para que a leitura se espalhe", observa Brandão.

4. Amigo Livro entre crianças

Você também pode organizar entre os amigos do seu filho uma troca divertida. É uma ideia bem simples para incentivar a leitura e promover o encontro da turma. Veja a sugestão da dinâmica:

1) Cada criança traz um livro, coloca na mesa e ganha um número.
2) A criança número 1 escolhe um livro.
3) A próxima pega outro livro ou "rouba" da anterior
4) Quem for roubado escolhe outro livro - menos o que acabou de perder.
5) A brincadeira termina quando todos tiverem um livro. Cada livro só pode ser roubado três vezes.
 
Fonte: Educar Para Cresce,  Maio 2014, Texto Meghie Rodrigues.

domingo, 11 de maio de 2014

Leitura de imagens

Fotógrafa se licencia do emprego para flanar por aí e registrar pessoas comuns lendo livros em países de língua portuguesa
 
No banco da praça, no metrô, no café, alguém lê um livro. Esse é o tema do blog Acordo Fotográfico, da livreira Sandra Barão Nobre, de Portugal. Durante o dia, flanando pela cidade do Porto ou qualquer outro lugar, ela observa homens e mulheres virando páginas, fotografa-os e os aborda, a fim de ouvir o que estiverem dispostos a contar.
 
Visite o site e conheça o projeto! ;)




Fonte: Revista Vida Simples Edição 143, Abril 2014, p. 14. Texto de Viviane Zandonadi.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Contar histórias na escola

Ouvir histórias, desde os tempos mais remotos, leva as pessoas a se nutrirem de imaginação e fantasia, alimentos que parecem invisíveis e pouco importantes na vida cotidiana, mas que estão intrinsicamente presentes em cada pessoa durante o seu dia.

Da vida para a escola, esse microcosmo social, o contar histórias tem sido utilizado como estratégia pedagógica para formar leitores no meio escolar. Mediada pelo professor ou pelo bibliotecário escolar, a história contada ou lida diretamente do livro estimula a fantasia infantil e essa é uma das maneiras de a criança elaborar o mundo a sua volta, principalmente, o mundo que está dentro dela mesma e que ainda não compreende na totalidade.

Nesse caso, a história auxilia o amadurecimento psicológico da criança, ajuda-a na compreensão de suas emoções e, portanto, a lidar melhor com elas e com o meio que a rodeia.

A escola, ainda que existam críticas a respeito da condução da leitura em seu meio, continua a ser uma das principais promotoras da formação de leitores, em larga escala, no Brasil, daí a importância pedagógica de se oferecer Hora do Conto no espaço escolar.

Ao se optar pela Hora do conto na escola como procedimento pedagógico para formar leitor, a escola reflete: por que contar histórias aqui? A resposta a essa pergunta desvela a concepção que a escola tem a respeito de formar leitores. Essa missão, na escola, não é apenas do professor de sala de aula, mas de toda a estrutura escolar, pedagógica e administrativa, que deve corroborar para isso.

No âmbito pedagógico, por exemplo, devem estar em consonância professores e coordenação pedagógica que, por extensão, estão intimamente ligados à direção da escola. Assim, cada setor em sua instância trabalhará em prol da formação de leitores: desde a organização do projeto político escolar, passando pelas intervenções pedagógicas ao espaço destinado à leitura na escola.

Na convivência com a leitura, cabe à escola oportunizar ao seu aluno momentos orientados pelo adulto de forma sistemática e momentos livres em que o aluno busque a leitura espontaneamente, sem a tutela do professor, ou bibliotecário escolar. Aliado a tudo isso, a biblioteca escolar deve ser acessível, com acervo e mediação disponíveis para todos da escola.

A coexistência de atividades programadas, como é o caso da Hora do Conto, e momentos livres é perfeitamente compatível quando se propõe a formar leitor na escola, pois a compreensão disso é fundamental para o êxito da proposta, uma vez que a leitura é algo íntimo, mexe com aspectos psicológicos internos que precisam de tempo ocioso para serem processados.

Portanto, ao almejar que a criança se transforme em leitora, não convém transformar os momentos de encontro com a leitura, em especial na Hora do Conto, num compêndio de atividades para inculcar preceitos morais, regras ortográficas, geográficas e qualquer outra prática escolarizante.

Compreender que as histórias ensinam por si mesmas e que cada criança, de acordo com seu desenvolvimento pessoal, apreende aquilo que pode apreender no momento, pois na infância é o envolvimento da criança com a leitura que trará benefícios e isso se dá sem que ela perceba, pois foi envolvida pela ficção, pela fantasia.

Para estimular a imaginação infantil, a história deve, predominantemente, se instalar na imaginação e no coração da criança, ou seja, razão e emoção, pois é uma mudança interna, demorada, contínua. Assim, trabalhos como desenhos, pinturas, ou redações após a Hora do Conto apresentam uma parte externa e que, nem sempre, é o substancial na formação da criança. O que a história contribui para cada criança não é visível a olho nu, imediatamente, mas contribuirá para seu amadurecimento como pessoa ao longo de sua vida.

Àquele que deseje contar histórias na escola, professor de sala de aula ou professor da biblioteca ou bibliotecário escolar é preciso refletir que:

- você deve ser o primeiro a gostar da história que vai contar. Se a história lhe emocionar, ao contar, também emocionará seus alunos.

- leia a história antes, ao ponto de ter intimidade com ela, com a escrita, de modo que, ao lê-la, seja natural e, portanto, fique agradável e claro para a criança que ouve.

- cada contador tem sua maneira de contar, encontre a sua em cada história que contar. Você deve ser a primeira pessoa a se sentir bem ao contar a história.

- ao iniciar com turmas novas que talvez não tenham a convivência com atividade de Hora do Conto, procure estabelecer uma rotina para a contação de histórias, principalmente nos dois primeiros meses, para que a criança vá compreendendo que tipo de atitude se espera dela nessa atividade pedagógica que vai prepará-la para ouvir, compartilhar opiniões e, principalmente, expor suas opiniões, comentários e ou silêncios.

- antes de começar a história, procure ter um momento em que explore a oralidade dos alunos em direção ao que trará a história, sem revelar o enredo. Assim, tratar de assunto que esteja no universo temático da história que será ouvida, pois essa é uma das maneiras de diminuir a ansiedade da criança, o que, consequentemente, evitará interrupções durante a contação de histórias.

Fonte: Infohome. Coluna Leitura e leitores, Maio 2014. Texto de Rovilson José da Silva. Ilustração de Quentin Blake.