sexta-feira, 16 de março de 2012

Ler é conversar consigo para melhor conversar com os outros.

Entrevistando Fabrício Carpinejar

Poeta, cronista, jornalista e professor, Fabrício Carpinejar (junção dos sobrenomes da mãe, Carpi, e do pai, Nejar) fala da leitura em um tom poético e criativo e diz que a estante não tem portas justamente para que as pessoas possam pegar os livros sem cerimônia. Para ele, quando o livro for tão importante quanto um domingo, com certeza os níveis de leitura no Brasil serão muito mais elevados.
Em sua opinião, qual é a importância da leitura na vida das pessoas?
FABRÍCIO CARPINEJAR A leitura não nos empresta somente palavras, nos empresta silêncio. Quem não lê dificilmente aprende a ficar quieto, aceitando a solidão como parte do pensamento. Ler é conversar consigo para melhor conversar com os outros. É organizar a experiência. Todo o turbilhão de fatos, lembranças, sequência de nossa vida pode ficar solto sem uma literatura que o organize. Não teríamos hierarquia, ordem, força nas idéias. Seria um caos sensitivo.
Qual é o papel da família na formação dos leitores?
CARPINEJAR A tarefa de casa não precisava existir na escola, é da família. O livro sempre foi um elo para entender meus pais. Deixavam cartas dentro das obras, trechos sublinhados. O livro é a toalha de mesa do café da manhã, do almoço e da janta. Objeto acessível, que não era endeusado. Muitas vezes, os pais criam bibliotecas para a criança pedir licença para mexer. Biblioteca tem que ter a naturalidade de nosso braço. É puxar de cima e amar. Assim como o hábito de contar histórias seduz a criança. É um teatro que ela dispõe por alguns minutos para ouvir a voz paterna e materna. Depois, eles vão procurar a voz dos pais nos livros e vão encontrar a sua. O livro fica em nossa vida quando emoldurado de encontros afetuosos. Todo jovem tem uma trilha sonora, eu tenho uma biblioteca para ouvir e guardar minhas mais fortes recordações. A escrita pode ser tão atraente quanto à música. Está esperando bons intérpretes.

Você acha que é possível despertar o interesse pela leitura em pessoas mais velhas, tardiamente alfabetizadas, os chamados neoleitores? Que ações recomenda nesse sentido?
CARPINEJAR Diante da solenidade da leitura, se a criança pede - infelizmente - licença para ler, o adulto tardiamente alfabetizado é obrigado a pedir desculpa. Ele lê com culpa, com medo de errar, de se envergonhar por não ter feito isso antes. O trabalho é retirar a carga de sacrifício e pesar, de vitimização. Cada um tem seu ritmo e sua mensagem. Indicaria o uso da vida cotidiana e o emprego da oralidade criativa e alegre para os neoleitores. Cantar, contar histórias, redigir cartas para família, preencher pedidos de emprego. Ler a vida para ler um livro, para ler depois o livro de sua vida. Outra coisa: somos analfabetos perante os nossos próprios sentimentos. Ninguém é culto o suficiente para lidar com o milagre vulnerável da pele. Diante da paixão, somos analfabetos e vamos soletrar o nome da amada. Diante da dor, somos analfabetos e vamos repetir as tristezas até acomodá-las. Ninguém nunca está atrasado para se revelar.

O brasileiro ainda lê pouco. Para você, qual a razão disso? O que pode ser feito para melhorar a situação?
CARPINEJAR Lê pouco porque não entende a leitura como uma escolha, mas como uma obrigação. E vamos adiar o que não escolhemos. O livro tem de ser muito mais familiar do que a gente costuma ligar, manejar. Tem de ser algo mais acessível. A gente ainda trabalha o livro como estudo, não como prazer. Temos que estudar mais. Então ler mais é estudar mais, é se preparar mais. O livro é justamente o contrário também. É como jogar futebol, vôlei. É de uma certa forma se descontrair mais, conversar mais, se alegrar mais. Eu não vejo um produto tão lúdico e tão aberto a essas referências referentes à imaginação. É óbvio que o livro é visto como trabalho. Eu acho que o livro é um jogo. A partir disso, um jogo de idéias, assim como os socráticos e os filósofos gregos se divertiam na argumentação, assim como os repentistas se divertem procurando o riso pelas palavras, assim como os trovadores do RS se divertem procurando a bravata, o chiste. É o modo como a gente lida ainda com a cultura. A gente lida como resíduo de um sistema de trabalho. Ela não está inserida ou enquadrada num contexto de contentamento e de final de semana. Quando o livro for tão importante quanto um domingo, com certeza os níveis de leitura no Brasil serão muito mais elevados.
Se você quer conhecer mais sobre este escritor acesse o site www.carpinejar.com.br ou o blog: http://fabriciocarpinejar.blogger.com.br

Fonte: Portal do Professor, edição 21

Nenhum comentário:

Postar um comentário