segunda-feira, 5 de março de 2012

Digital x Impresso

"Espalhados pelo chão, empilhados sobre a mesa, em cima das cadeiras, dezenas de livros aguardavam voltar para as estantes, de onde foram retirados por causa de uma pequena obra em casa. Eu acabara de ler no Prosa & Verso uma matéria que me pôs a pensar sobre o futuro deles. Será que teriam utilidade daqui a uns 15 anos? O debate no suplemento era sobre os efeitos do mundo digital sobre a leitura, a competição entre internet e texto impresso, fazendo lembrar a antiga discussão entre o que Umberto Eco chamou de “apocalípticos e integrados”, para definir os que temiam e os que aceitavam a comunicação de massa. No artigo em que procurava desfazer o clima maniqueísta da disputa, Pedro Doria analisava os mais recentes trabalhos que tratam do tema. O apocalíptico dessa história é Nicholas Carr, autor de A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Recorrendo ao próprio exemplo, ele confessa que antes passava horas mergulhado em extensos trechos de prosa. “Agora, raramente isso acontece. Minha concentração começa a se extraviar depois de uma ou duas páginas.” Na mesma linha, outro intelectual dizia que ninguém mais lê Guerra e paz por ser “longo demais”. A internet teria mudado nosso jeito de ler, passando de linear, sequencial, para uma forma fragmentada, desatenta, interrompida por hiperlinks. Olhei à minha volta e percebi o quanto havia de volumes “longos demais”, que daqui a pouco estariam condenados, segundo essa tendência. Ali estavam Ulisses, de James Joyce, Gênio, de Harold Bloom, Pós-guerra, de Tony Judt, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Os sete pilares da sabedoria, de T.E. Lawrence, entre muitos outros. Será que a humanidade não iria produzir mais uma Divina Comédia, um Os Lusíadas ou um Dom Quixote? Será que só haverá lugar para mensagens de 140 toques? Talvez, se estivermos fabricando o que Carr chamou em entrevista a Guilherme Freitas de “leitor distraído, que não lê com profundidade; passa os olhos no texto, lê na diagonal”. Decodifica apenas, em vez de “um sofisticado ato de interpretação e imaginação”. A questão, porém, é mais complexa, como se depreende do ensaio do professor João Cezar de Castro Rocha na mesma edição. Ele mostra que o advento da palavra impressa causou impacto parecido no universo da palavra falada e escrita. Décadas depois da invenção dos tipos móveis, o livro foi comparado a uma catedral, com um final que se anunciava infeliz: “O livro destruirá o edifício; a imprensa superará a arquitetura.”

Agora, voltou à moda decretar o fim do impresso. Para quem, como eu, acredita na convergência e não no antagonismo entre as tecnologias de comunicação, o consolo é que os que anunciaram a morte da imprensa e do livro morreram antes."

Fonte: O Globo, Texto de Zuenir Ventura

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