quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os grandes para os pequenos

Os escritores consagrados da literatura adulta e suas obras voltadas às crianças

Quer ver um adolescente comum ter arrepios é mencionar na frente dele um grande nome da literatura – a genialidade que tornou alguns escritores essenciais e obrigatórios também acabou por criar o compromisso de ler suas obras na escola, e involuntariamente tirar boa parte do prazer em descobri-los. Como atiçar no leitor o interesse e o carinho pelos clássicos da literatura, antes que a obrigação “chata” de lê-los para a escola ou para o vestibular possa minar qualquer possibilidade? Não existe nenhuma fórmula para isso, uma solução possível é trazer o leitor, ainda que criança, para os braços dos autores consagrados. E não é necessário começar com as obras “difíceis”, adultas e potencialmente polêmicas: muitos autores notáveis escreveram alguns de seus livros pensando nas crianças como seu principal público. Ainda que na maior parte das vezes não sejam suas obras mais famosas, são pedaços de seus talentos explorando um novo território; portanto, imperdíveis para jovens e adultos.

Grandes exemplos

O quinze, primeiro e mais conhecido romance de Rachel de Queiroz já estava com quase quarenta anos quando a autora estreou na literatura infanto-juvenil, com O menino mágico (1969), sobre um garoto com “poderes mágicos” incríveis, como viajar para lugares fantásticos enquanto dorme e outras “habilidades impensáveis”. A história foi toda inspirada nas histórias que Queiroz costumava contar para os netos, e o sabor disso é todo percebido no decorrer da obra.
Ainda nos mundos mágicos, Johann Wolfgang von Goethe, uma das figuras mais relevantes do Romantismo europeu, escreveu o longo poema Aprendiz de feiticeiro, de 1797. Nele, conhecemos a história de um aprendiz que acha que já sabe tudo sobre feitiçaria, e se recusa a cumprir as ordens simples, dadas por seu mestre, preferindo fazer um encantamento para a vassoura trabalhar por ele. Walt Disney recontou no filme Fantasia de 1940, esta fábula sobre arrogância e consequências dos atos.
Com alguns autores a fama da obra produzida pensando nas crianças se entrelaça com a fama da produção para adultos, especialmente se mais de uma geração já cresceu acompanhada da obra infantil. É o caso de Vinicius de Moraes e sua rica produção poética: se é bem provável que a maioria dos brasileiros conheça os versos como “mas que seja infinito enquanto dure”, é difícil achar quem não conheça e cantarole “era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”. Vinicius foi poeta ambivalente, transitando livre entre métodos e estilos e mais de uma vez visando com o público infantil, tanto em músicas quanto em poemas, em contraste com a carga realmente madura de seus trabalhos voltados para adultos.
Às vezes não apenas a fama, mas também as obras adultas e infanto juvenis se entrelaçam. Como exemplo, temos a obra de J. R. R. Tolkien. Seus livros mais famosos, os que compõem a trilogia O Senhor dos Anéis, são filhos da mesma mitologia que deu origem ao infanto juvenil O Hobbit, livro que guarda várias lições importantes, sobre amizade, confiança, coragem, lealdade e bondade.
O filho de Clarice Lispector quando estava com cinco ou seis anos obrigou a mãe a lhe escrever uma história. Muitos anos depois, quando a editora lhe pediu um livro infantil, Clarice resgatou o que tinha escrito para o filho: foi como nasceu O mistério do coelho pensante (1967).
Erico Veríssimo escreveu contos, novelas, romances e ensaios, e dentre eles doze obras de literatura juvenil. O primeiro deles foi As aventuras do avião vermelho, que fala sobre Fernando, um menino que ganha do pai um livro e um avião vermelho, de brinquedo.
Além de suas músicas, Chico Buarque escreveu contos, poemas e romances. Para crianças, em 1979 escreveu para a filha o livro-poema Chapeuzinho Amarelo. Com ilustrações de Ziraldo, conta a história de uma menina muito medrosa, amarela de medo de tudo, principalmente amarela de medo do LOBO – assim, em maiúsculas mesmo, um medo bem grande de um lobo “capaz de comer duas avós, / um caçador, / rei, princesa, / sete panelas de arroz / e um chapéu de sobremesa”. A história, além de divertida para crianças e com uma deliciosa lição de coragem e independência no final, também guardava uma boa porção de critica à ditadura militar no Brasil e quanto a todos os outros preconceitos e medos que as oprimem.
O inglês Neil Gaiman é um autor notável por sua produção de quadrinhos e livros fantásticos, sempre flertando temáticas caras aos contos de fadas, mas sempre escrevendo tendo em mente o público adulto. Até 2002, quando lançou seu primeiro livro infantil: voltando para crianças um pouco mais velhas, Coraline é uma história de terror fantástico, muitas vezes comparada a Alice no País das maravilhas de Lewis Carroll. Outros trabalhos infantis de Gaiman incluem Os lobos dentro das paredes, onde a pequena Lucy escuta ruídos do que ela garante serem lobos, vindos de dentro das paredes de sua casa. Os pais dela não acreditam em nada disso, até o dia em que os lobos realmente aparecem.

Fonte: Revista Literatura: Conhecimento prático, n. 35, Texto de Amália Pimenta

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