Só alguém que amou tanto a poesia como meu pai,
Paulo Leminski, pode influenciar tanta gente até hoje.
A
paixão pela linguagem, e a forma que embasava tudo que fazia são fruto de pelo
menos duas paixões de meu pai: línguas e história. Pela primeira, ele entremeou
universos linguísticos, pesquisando e encontrando similaridades entre as
palavras que algumas gramáticas e muitas fronteiras teimavam um dia em se
separar. A segunda causou um efeito de conexão entre a atualidade e a tradição.
E atualidade eu digo do agora, pois, mesmo após mais de 20 anos de sua morte,
sua obra é atual e ainda desperta muitos novos escritores. Isso eu sei bem,
porque, quando estava no colégio, a poesia que meus pais faziam (e a dos poetas
que estavam na estante deles) me interessava muito mais que a dos livros
obrigatórios. Por sorte, de todos nós, muita coisa mudou de lá pra cá.
Ele
reuniu seus primeiros escritos em um livro intitulado Caprichos & Relaxos e é justamente dele que vou destacar alguns
poemas:
lembrem de
mim
como de um
que ouvia a
chuva
como quem
hesita, mestiça,
entre a
pressa e a preguiça
Já no título do livro ele declara
o equilíbrio de sua obra entre o esmero tenso, a pesquisa intensa e o prazer de
usufruir uma poesia sem pretensão. Ele representava muito essa relação entre os
opostos, esses complementos contraditórios (ou não) que formam a personalidade
de cada um. Seus poemas, e os rótulos que dão ao seu trabalho, sempre têm esses
polos, do pop ao cult, caprichos e relaxos, a pressa e a preguiça. Mais uma vez
múltiplo.
Vivem me perguntando o porquê da
atualidade de seus versos. Como ele mesmo dizia: “Tem que ter por quê?” O que
eu sei é que eles combinam com os nossos tempos: são diretos, concisos,
contundentes, precisos, sintéticos, rápidos, muito inspirados, além do óbvio. Sobretudo,
ele queria a poesia muito além do papel e em todos os suportes, outdoor, camisetas,
arte de rua (através do grafite), no sarau. O máximo dito com o mínimo:
você para
a fim de ver
o que te
espera
só uma nuvem
te separa
das estrelas
com o destino
o que pintar
eu assino
Muitas vezes seus poemas são reflexos do seu tempo, com referências a acontecimentos, autores e problemas sociais. O seguinte surgiu a partir de uma notícia de jornal que chamou a atenção da minha mãe, Alice Ruiz. Virou canção (letra e música) gravada pelo Caetano Veloso em 1981.
De repente
me lembro do verde
da cor verde
a mais verde que existe
a cor mais alegre
a cor mais triste
o verde que vestes
o verde que vestiste
o dia em que te vi
o dia em que me viste
de repente
vendi meus filhos
a uma família americana
eles têm carro
eles têm grana
eles têm casa
a grama é bacana
só assim eles podem voltar
e pegar um sol em copacabana.
Ele era muito humorado, o que transparece em sua música e também na poesia, satirizando inclusive a sua condição de poeta:
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
Voltando às perguntas que me fazem: E como alguém pode despertar tanta paixão pela poesia como ele?
parem
eu confesso
sou poeta
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
parem
eu confesso
sou poeta
só meu amor é meus deus
eu sou o seu profeta
Viram só? Só alguém que amou tanto a poesia para poder influenciar tanto a gente. Essa é fácil.
Fonte: Revista Carta Fundamental, n. 48, maio 2013, Texto de Estrela Ruiz
Nenhum comentário:
Postar um comentário