quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Um jornada tristemente feliz

Nova versão de Meu Pé de Laranja Lima não foge do confronto com a amargura do romance de José Mauro de Vasconcelos

Tristeza não tem fim, felicidade sim. Vinicius de Moraes e Tom Jobim lançaram a proposição em uma canção clássica da bossa nova, A Felicidade, composta para o longa-metragem Orfeu do Carnaval (1959), do francês Marcel Camus.

Essa imagem poética – a de que a felicidade “voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar” – também cabe perfeitamente, ainda que em outro contexto, ao sentimento provocado no leitor pelo romance Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, publicado em 1968.

A mesma sensação está na essência da nova versão para o cinema. Na definição da produtora e idealizadora do filme, Katia Machado, a história deixa o espectador “tristemente feliz”. Foi o que ela diz ter percebido na reação do público desde a primeira exibição.

De fato, a adaptação – assinada por Marcos Bernstein e Melanie Dimantas – não foge do confronto com a amargura (e até a brutalidade) do liro, com base em personagens e episódios da infância de Vasconcelos (1920-1984).

Ao mesmo tempo que expõe os percalços vividos pelo pequeno Zezé (João Guilherme Ávila) sem maquiar a solidão que se impõe sobre ele, o filme investe na poesia visual (as locações, no interior de Minas Gerais, ajudam) e no delicado contorno dos personagens.

Ao combinar esses elementos, Meu Pé de Laranja Lima chega a uma estrutura que aponta, como no livro, para a possibilidade de uma saída. Essa perspectiva é anunciada pelo uso do flash-back, logo no início, quando um homem na faixa de 40 anos (Caco Ciocler, na pele do próprio Vasconcelos) decide empreender uma viagem ao passado.

A jornada – “tristemente feliz” – será uma espécie de tributo ao que forjou sua personalidade. No pacote entram momentos de dor e prazer, tristeza e alegria, resignação e inconformismo, derrota e superação. Não deixa de ser notável que um filme brasileiro também dirigido aos jovens tenha a coragem e a sensibilidade para ir além dos clichês da infância açucarada e lembrar que criança sofre.

Fonte: Revista Carta Fundamental n. 48, Texto de Sérgio Rizzo

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