segunda-feira, 14 de abril de 2014

O meu paraíso e o do Borges

"Borges disse que para ele a ideia de paraíso era uma biblioteca.  A minha ideia de paraíso é uma livraria. O motivo é muito simples. Quando era muito jovem, 10, 11 anos, eu já gostava muito de ler e, felizmente, lia com velocidade. Descobri que podia entrar em uma livraria, pegar o exemplar de algum livro que me interessasse e ficar uma meia hora segurando-o com muito cuidado enquanto o lia. Os livreiros não se incomodavam. Depois de algum tempo de leitura, às vezes meia hora, eu memorizava a página em que havia parado e ia para outra livraria, onde pegava o mesmo livro e continuava a  leitura. Assim, no fim do dia, como eu lia com grande rapidez, eu  teria terminado, ou quase terminado, o livro que estava a ler. E nunca,  nunca, nenhum livreiro me causou qualquer incômodo, perguntando  se eu queria comprar o livro ou se dirigindo a mim de qualquer outra maneira. Creio que eles, com inteligência e sensibilidade,  percebiam que eu era um leitor fanático, sem dinheiro para comprar  o livro, e, assim, me davam toda a liberdade para ler. Na verdade, até fingiam que não notavam a minha presença. 
O Borges, além de bibliotecário, ficou cego, e essa Biblioteca Paraíso dele devia surgir na sua imaginação apenas, enquanto a minha Livraria, o meu éden, existia na realidade, exibindo uma quantidade infindável de estantes com lombadas coloridas, livros que eu podia apanhar e ler na hora que desejasse.

Fonte: Texto de Rubem Fonseca. (Prefácio da obra "Eu queria um livro… " Organização de Leandro Müller, Agir, 2010. Adaptado). Ilustração de Lupuna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário