segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Neil Gaiman: o poder e o prazer da leitura

"Uma vez eu estava em Nova York e assisti uma palestra sobre o negócio de construir penitenciárias - uma indústria que cresce muito na América. Eles precisam planejar seu crescimento futuro - quantas celas vão precisar? Quantos prisioneiros vão estar na cadeia, digamos, daqui a 15 anos? E eles descobriram que conseguem prever isso muito facilmente, usando um algoritmo muito simples, baseado na porcentagem de crianças de 10 a 11 anos que não conseguem ler."

"Os Chineses promoveram sua primeira convenção de fantasia e ficção científica em 2007, eu estava lá. Perguntei, por que agora? Responderam: nós Chineses somos brilhantes para copiar os outros, mas somos fracos em inovação. Não inventamos nada, não imaginamos coisas novas. Então o governo mandou uma delegação aos EUA, para visitar a Apple, a Microsoft, o Google, e conhecer como eram as pessoas que estavam lá inventando o futuro. E todos eles tinham lido ficção científica, quando eram meninos ou meninas."

Com argumentos como esses, fica difícil resistir ao gentil manifesto de Neil Gaiman pela leitura, pelas bibliotecas, e principalmente pelo prazer de ler. Os parágrafos fazem parte de uma palestra que ele deu recentemente em favor da The Reading Agency, uma organização que promove a leitura no Reino Unido. É o cara certo para esta pregação. Neil Gaiman vive entre a alta literatura e o gibi, entre Borges e Hollywood, a mitologia e o rock'n'roll. Nunca sacrificou o apelo pop para impressionar a crítica. Escreve para crianças, adolescentes, adultos - frequentemente, ao mesmo tempo. Agora, colhe os frutos de um bem-sucedido romance "adulto"e semiautobiográfico para todas as idades, O Oceano no Fim do Caminho, e retoma os quadrinhos que fizeram sua fama com Sandman: Overture.

Neil, cinquentão, sempre de preto, ainda posa de rockstar dark-fofo e derrete as fãs. Mas devagarinho se converte em outro arquétipo: o velho sábio, sarrista e um pouco ranzinza, que tem muito a ensinar. Suas palavras são brisa suave que sopra pra longe o cinismo. Reproduzo sua preleção, em inglês, e não resisto a traduzir uns trechinhos.

"A ficção é uma porta para a leitura em geral. O impulso de querer saber o que acontecerá depois, de virar a página, de continuar, mesmo que seja difícil, porque alguém está com um problema e você quer saber como vai ser o fim da história - é um impulso muito real. E te força a aprender palavras novas, a pensar pensamentos novos, a continuar... e quando você aprende isso, está na estrada para ler tudo."

"A maneira mais simples de garantir que criaremos crianças alfabetizadas é ensiná-las a ler, e mostrar que ler é um prazer. Qualquer livro que elas curtam..."

"Ficção constrói empatia. Quando você vê TV ou um filme, está olhando coisas acontecendo com outras pessoas. Ficção em prosa é algo que você constrói com 26 letras e um punhado de pontuação, e você, só você, usando sua imaginação, cria um mundo e pessoas nele e olha através de outros olhos. Sente coisas, visita lugares e mundos... aprende que todas as outras pessoas lá fora também são um eu. Você está sendo outra pessoa, e quando volta ao seu próprio mundo, está ligeiramente transformado. Empatia é uma ferramenta para reunir pessoas em grupos, e permite que funcionemos como mais que um indivíduo obcecado por si mesmo."

"Ficção pode mostrar um mundo diferente. Depois que você visitou outros mundos... nunca mais estará inteiramente satisfeito com o mundo em que você cresceu. Insatisfação é uma coisa boa: pessoas insatisfeitas podem modificar e melhorar seus mundos, fazê-los melhores, transformá-los."

"Todos nós - adultos e crianças, escritores e leitores - temos obrigação de sonhar acordados. Temos obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar nada, que estamos em um mundo em que a sociedade é enorme e o indivíduo menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz numa plantação. Mas a verdade é que indivíduos mudam o mundo o tempo todo, indivíduos fazem o futuro, e eles o fazem imaginando que as coisas podem ser diferentes."

Fonte: Portal R7, Texto de André Forastieri.

Nenhum comentário:

Postar um comentário